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10 Perguntas: David Ross

Por Redação

Conversamos com o CEO da Ross Video sobre tecnologia, momento da empresa e a consolidação pela qual passa a indústria broadcast.

Ele é provavelmente um dos CEOs mais carismáticos do mercado broadcast. Durante seus Keynotes na NAB ou no IBC, David Ross faz questão de apresentar cada uma das novas tecnologias de sua empresa com a empolgação de um jovem exibindo seu carro novo para os amigos, conquistando sorrisos dos presentes e contagiando a todos com a atmosfera de excitação gerada pelo discurso animado e sua postura de showman.

À frente da Ross Video pelos últimos 12 anos, David Ross herdou a liderança de seu pai e fundador da empresa Jonh Ross e seguiu uma trajetória que colocou a companhia canadense de começos humildes no porão da família entre as líderes mundiais na fabricação de sistemas de produção ao vivo. Hoje a empresa fabrica switchers de produção de todos os portes, sistemas de grafismo, servidores de replay, câmeras, sistemas de chroma-key e mais um sem número de produtos.

David Ross sempre enaltece com orgulho o fato de sua empresa ser uma das poucas do segmento que é totalmente privada, pelo menos entre as de grande porte. Apesar disso, sempre partilha os resultados da empresa com o público, fazendo questão que todo os profissionais do segmento, e seus concorrentes, saibam que a empresa está em um ascendente de 26 anos seguidos de crescimento.

Esta mesma postura imperou no começo de 2018, quando o CEO decidiu compartilhar com o mundo, por meio de uma rede social, o fato de o primeiro trimestre do ano ter sido o mais lucrativo da história da companhia, superando a previsão de lucro para o ano todo em apenas três meses. “Eu queria mostrar à todos que não estamos no mesmo balaio de empresas passando por momentos difíceis, como nossos concorrentes estão”, explica.

Para falar deste momento da empresa, tecnologia e também este momento de consolidação agressiva da indústria, a Panorama Audiovisual conversou com David Ross por telefone. Confira a entrevista abaixo.

Panorama Audiovisual: Recentemente vimos um post seu no LinkeDin afirmando que o primeiro trimestre de 2018 foi o segundo melhor primeiro trimestre da história da Ross Video. O que exatamente isso significa em comparação com outros anos?

David Ross: Estamos falando de um aumento de 15% com relação ao mesmo período do ano passado, o que eu considero um crescimento saudável. Em termos de lucro, superamos nossa expectativa de lucro do ano todo só nestes três primeiros meses, o que faz deste trimestre o mais lucrativo de todos os tempos para a Ross Video.

PAV: E quais as razões disso, porque este trimestre foi tão especial?

Ross: Uma das coisas interessantes da Ross Video é que temos crescido numa média de 15% a 17% todos os anos por mais 26 anos seguidos, então ter um trimestre recorde é algo que acontece praticamente todo ano para nós. A grande questão é porque eu quis tornar isso público. Há muita coisa acontecendo na indústria neste momento de consolidação, e uma das coisas que está empurrando esta consolidação é que diversas empresas da indústria estão passando por problemas financeiros sérios. Outro dia eu estava lendo sobre uma empresa que foi comprada recentemente que teve um resultado anual de EBITDA negativo. Prejuízo é uma coisa, agora EBITDA negativo significa que você não tem nenhuma razão plausível para considerar seu ano como positivo.

Por causa destes fatores ajudarem na consolidação e muitas das companhias nesta situação serem concorrentes da Ross, eu não queria que nossos clientes nos colocassem no mesmo balaio, porque a Ross é uma empresa muito especial.

PAV: Estes 26 anos seguidos de crescimento têm alguma coisa a ver com o fato de a Ross Video ser uma empresa de propriedade privada?

Ross:  Sim, este fator nos traz tantas coisas que nos dão vantagem, como poder fazer planos de longo prazo e executá-los de fato. Não é segredo que a maioria dos CEOs das empresas que concorrem com a Ross Video duraram menos de um ano em seus cargos. Hoje mesmo a Avid anunciou um novo CEO. É um momento dramático para a indústria. Agora olhe para a Ross Video, temos 44 anos de idade e nós só tivemos dois CEOs e ambos tem Ross no sobrenome. Então a estabilidade na direção, gerenciamento e na cultura da empresa é muito significante e dá para ganhar muito momentum por conta disso.

A outra coisa que causa um problema na indústria é que normalmente as empresas compradas rapidamente abrem-se para fundos de investimento. E neste caso, é prometido aos investidores que eles receberão seu dinheiro de volta em um prazo específico com lucro. E ai a empresa entra num ciclo de empolgação, investimento, diminuição do ritmo, preparação para vender, demissão de pessoas, param de investir em pesquisa e desenvolvimento, e dai vão para a mão de outros proprietários e tudo começa de novo, mas com donos diferentes, cultura diferente e expectativa diferente. Isso gera um ciclo de vai-e-volta e falta de consistência em tudo, o que arruina a experiência de um cliente que compra um produto e precisa saber que terá suporte no futuro.

Em outras palavras, você tem uma promessa da marca, você espera que aquela empresa tenha um nível de qualidade e serviço e que as pessoas estarão lá. Quando a liderança muda de uma forma radical, você precisa reaprender o que aquela marca significa.

PAV: Temos visto a Ross Video anunciar uma grande quantidade de novas linhas de produtos e tecnologias nos últimos quatro ou cinco anos. Muitos dos seus concorrentes preferem uma abordagem diferente, mais conservadora em termos de quantidade de lançamentos, alegando uma dificuldade do mercado de absorver nesta velocidade. Como você vê isso?

Ross: Até pelo acabamos de falar, parece que nossa visão está indo muito bem não? Quando nós lançamos um novo produto, seja a compra de uma nova empresa, ou algo que desenvolvemos internamente, nós fazemos para adicioná-lo a uma oferta que já temos para as verticais de mercado. Por exemplo, as cameras Acid. São produtos com este lance de imagem 4:4:4 feito para nossos novos sistemas de Chroma Key, Virtual Sets, etc. Então foi pensada para combinarem com nossos produtos. Se um cliente opta por ter alguma parte da solução separada da outra, ele acaba não tendo um resultado final tão bom. Então o novo produto se torna parte da venda. Normalmente nós não entramos em uma situação de competição direta com outras marcas quando lançamos um novo produto.

Outro ponto é nossa filosofia de aquisições. O que vejo na concorrência é que muito dinheiro é investido para tentar comprar as maiores marcas da indústria e colocá-las para trabalhar juntas dizendo que haverá sinergia, alguma economia, mas o que eu penso é que é difícil fazer isso. Veja, são empresas que já no topo, logo não há tanto crescimento potencial esperando. Na verdade é mais provável que as vendas caiam, porque normalmente mantém somente uma equipe de vendas ao invés das duas que haviam antes. A economia real está onde? Na parte financeira e gerencial? É muito difícil fazer destas aquisições algo lucrativo.

O que nós fazemos é olhar para empresas menores que são o que eu chamo de “A futura geração dos melhores produtos do mundo”, não os melhores hoje. Assim podemos fazê-las crescer no mercado e ser muito bem sucedidos com o passar do tempo. Você nos viu fazer isso com Câmeras Robóticas, com Roteadores, com Cenários Virtuais, com Gráficos, e tudo veio de aquisições pequenas que agora, sob nossa tutela, são as líderes ou vice-líderes em seus segmentos. Mas não começamos comprando pelo valor de uma empresa número 1 ou 2. Então podemos passar esta economia para os clientes.

PAV: Recentemente tivemos uma enorme aquisição no mercado broadcast entre a SAM e a Grass Valley, o que colocou praticamente todos os grandes fabricantes ocidentais sob um mesmo guarda-chuvas. Como você vê esta consolidação? Acredita que o mercado broadcast vai se tornar algo similar ao de TI, com poucas empresas gigantes e um punhado de startups?

Ross: Sendo sincero, me parece bastante que está indo nesta direção, não dá pra negar. É isso o que os consolidadores estão dizendo. Agora, eu sempre provoco meus gerentes de produto com a seguinte questão: “Por que você acha que empresas pequenas existem? Porque as empresas grandes, que tem as marcas mais fortes, os bolsos mais fundos, os maiores investimentos em P&D não dominam tudo? Por que ainda vemos gigantes surgindo do nada de novo e de novo, principalmente se falarmos da indústria TI?”

O que acontece é que em empresas realmente grandes a equipe de vendas ficam muito separada da de marketing, que por sua vez fica muito separada do departamento de desenvolvimento e com isso se perde ímpeto de inovação. Dai os executivos acham que podem recuperar isso comprando tecnologias por meio de aquisições, mas eles não têm isso internamente, começam a ficar ineficientes. Eu acho que ao mesmo tempo que há consolidação, continuaremos a ver novas empresas e novas ideias surgindo na nossa indústria, porque são áreas que serão deixadas de lado pelas empresas maiores. Nem sempre os maiores têm a melhor tecnologia.

PAV: A Ross Video é uma empresa grande, isso quer dizer que vocês perderam o ímpeto de inovação?

Ross: A Ross Vídeo é uma empresa grande, mas nós a organizamos como se fosse diversas pequenas empresas dentro de uma empresa maior.  Colocamos muita responsabilidade nas mãos de times bastante pequenos. Os gerentes de produtos estão em contato com os clientes regularmente, os caras de desenvolvimento ainda falam direto com o pessoal de Marketing e os caras de vendas se envolvem no processo todo e tudo isso é suportado por uma grande infraestrutura de fabricação. Além disso escolhemos nosso pessoal muito bem, sabemos a tecnologia e os problemas dos clientes. Tentamos fazer a Ross Video continuar pequena mesmo crescendo.

Outra coisa é que mantenho uma rotina de separar pelo menos uma semana todos os meses pelos últimos 15 anos para visitar nosso clientes, isso em todos os continentes e com regularidade, sejam eles clientes pequenos ou grandes. E o que o me surpreende é que provavelmente eu sou o único CEO de empresas de um porte considerável que faz isso. Eu não ouço um cliente dizendo “Sabe, o CEO da empresa X ou Y esteve aqui semana passada, falando de produtos e visão dele para o mercado”. Eu acho que muitos dos CEOs das empresas de hoje são mais ligados à finanças e não entendem os clientes. Estão fazendo decisões baseadas em números e relatórios e filtragem de dados. Enquanto que na Ross Video um Gerente de Produto pode me dizer precisa desenvolver uma tecnologia específica e eu entendo do que ele está falando. Isso me permite fazer as coisas mais rápido, mas também tomar decisões muito boas porque estamos muito próximos aos clientes.

PAV: Você acha que este movimento de consolidação traz junto um desenvolvimento tecnológico menor, uma vez que há menos concorrência?

Ross: É como falávamos antes. Eu li algo no Press Release da aquisição SAM-Grass Valley que em uma empresa de tecnologia a briga não é por somente market share, é uma batalha por recursos para Pesquisa e Desenvolvimento, e isso é algo que eu sempre falei dentro da Ross Video. Lógico que se você tem o dobro do mercado, com sorte você consegue equiparar isso com o dobro de P&D. E deste ponto de vista, você pode fazer produtos mais complexos e pode atingir objetivos maiores por conta do seu número de vendas. Então deste ponto de vista, ser maior te permite desenvolver coisas muito legais. Por outro lado, porém, você pode se tornar tão grande que ao ter muitos recursos de P&D você acaba por desperdiçá-los nas coisas erradas porque você não saber mais o que mercado precisa, ou você perdeu seu ímpeto inovador. Então eu acho que a resposta é que veremos produtos incríveis surgindo deste grupo, mas não necessariamente eles serão tão bem sucedidos quanto se espera. Eu posso estar errado, vamos esperar e ver.
PAV: Levando em conta que a Ross Video tem mostrado resultados tão impressionantes, imagino que você já deve ter recebido inúmeras propostas de compra da empresa. O que o impediu ou impede de fechar um negócio milionário desses?

Ross: De fato, recebo sim. Mas veja, a Ross Video não se chama “Produtos de Broadcast Limitada” ou algo assim. Ross é meu sobrenome e é o sobrenome do meu pai. Vendê-la seria como como pedir para alguém vender a fazenda da família. O que você faria se vendesse a fazenda da família? Provavelmente compraria uma outra fazenda no mesmo lugar e continuaria a ser um fazendeiro, porque é isso o que você ama fazer.
Eu poderia ter vendido a empresa há 10 ou 15 anos, e teria sido capaz de me aposentar ou fazer o que eu quisesse, mas qual a diversão nisso? A Ross Video não é um veículo financeiro, é uma paixão e é minha diversão. Maravilhar os clientes é uma recompensa per se.

PAV: Nos últimos dois anos vimos a Ross Video entrando no segmentos novos que são dominados por marcas consagradas, como é o caso de Servidores de Replay após a aquisição da Abekas. Como este segmento está indo? Você já vê a empresa capaz de competir de igual para igual com os líderes do segmento?

Ross: Acredito que dois meses atrás nossa linha de Replay passou a representar 10% das vendas da Ross Video a nível global. Claro que nem sempre foi assim, mas eu fiquei muito contente em ver isso. Então está indo melhor do que esperávamos. Por outro lado ainda vemos operadores de broadcast exigindo produtos de marcas específicas sob pretextos de questões de integração, de transferência de arquivos e de treinamento de pessoal. Ao mesmo tempo a Ross Mobile, nosso braço de produção, têm usado nossos sistemas para fazer transmissões esportivas de primeiro escalão e tudo funciona perfeitamente.

Isso me deixa muito confuso, pois temos a prova de que nosso sistema é totalmente integrado, que as transferências de arquivos funcionam bem e quanto ao treinamento, sendo sincero, eu acredito que operar replay seja o trabalho mais fácil dentro de uma Unidade Móvel.. se você não é capaz de treinar um operador de replay em um ou dois dias… ou mesmo em algumas horas, então eu não sei o que você está fazendo. Isso me deixa muito confuso. A escolha de um equipamento deveria ser uma questão de preço-performance, não de marca. Me sinto um pouco perdido aqui.

PAV: Temos visto o surgimento de várias soluções “tudo em uma caixa”, como é o caso do Graphite da Ross Video. Você acredita que soluções como esta somado à aplicações em software é o futuro do fluxo de trabalho broadcast?

Ross: Sim e não. Porque não existe um único fluxo de trabalho broadcast, não existe um único tipo de cliente, não existe um único tamanho de mercado. O que existe é um mercado de operações menores ficando cada vez maior e mais sofisticado e que está procurando soluções tudo em um para reduzir custo e trabalho, por outro lado, a tecnologia continua melhorando e há várias soluções híbridas surgindo que são muito interessantes.

Do ponto de vista da Ross Video, nós precisamos estar prontos para nos posicionar todas as linhas que envolvem produção ao vivo e conseguimos fazer isso de forma eficiente por conta da tecnologia que temos. Então o Graphite é uma peça da solução, mas não é a coisa toda dependendo de para quem estamos falando. Eu estou empolgado com o Graphite, não me entenda mal, eu sou o pai dele, então estou orgulhoso.

PAV: Você vê a questão da virtualização de soluções em nuvem como um futuro inexorável para a distribuição de mídia e operação ao vivo?

Ross: Depende do que você está tentando fazer. Eu não sou um especialista em Playout, mas vejo ser algo mais próximo neste segmento porque é que quando você tem menos coisas acontecendo ao mesmo tempo, menos sinais, é mais fácil partir para uma solução baseada em nuvem, então acho que veremos o Playout crescer neste ramo virtualizado. Agora a a produção ao vivo ainda está distante disso, pois há muitos sinais sem compressão e sem latência que precisariam entrar em uma caixa baseada em nuvem e voltar. Chegaremos lá? Sim, mas vai levar alguns anos além do que a hype da indústria está querendo dizer.

O outro lado desta história é o debate de Nuvem Pública vs Privada. Há muita preocupação sobre onde seus dados estão armazenados, por quais países seus dados estão passando e o que acontece se sua conexão cair e você não puder correr para outro andar, refazer o roteamento porque você não tem nenhum hardware. Será uma transição um pouco conturbada.

PAV: A Ross Video é uma das poucas empresas que leva à sério parcerias com desenvolvedores de Game Engines. Como você vê a integração desta tecnologia dentro do mundo broadcast e por que esta tecnologia assusta tanto as demais empresas do setor?

Ross: Veja, nós temos duas plataformas para gráficos. Temos a Frontier, que é baseado numa Game Engine, e também Xpression que é proprietária. São aplicações muito diferentes. Produtos como o Xpression são pensado para quando se precisa de muita performance, controle real, precisão e conhecimento sobre como cada pixel é processado. Você pode fazer coisas incríveis com o Xpression e sua relação preço/performance é excelente também. Por outro lado, quando você precisa criar um mundo virtual, com chuva, grama e folhas se mexendo, cenários virtuais completos com reflexos, não dá pra vencer a tecnologia que está vindo da indústria de games. Os caras têm milhares de programadores trabalhando nisso para outra indústria e somos capazes de emprestar a tecnologia deles e trabalhar por cima.

Vai levar um tempo até que ambas indústrias se misturem, porque as aplicações são diferentes, mas a Ross Video é a empresa que se pergunta sempre “Qual a tecnologia é necessária para resolver o problema do cliente?” e vamos afundo seja qual tecnologia for. Se eu só trabalhasse com o tipo de tecnologia que eu aprendi na escola, como engenheiro, então todos nossos produtos seriam somente placas de computadores, hardware e software incorporado, afinal, esse é o meu histórico, mas por alguma razão estou trabalhando com tecnologia de games, e construindo robôs, fibra óptica e tecnologia baseada em nuvem.

Acho que a chave para qualquer empresa é não ter medo de tecnologia, ao invés disso, entender o que o cliente precisa.

Sabe quem mais me impressiona? Os engenheiros-chefe de estações de TV. Esses caras precisam saber tudo, conhecer sistemas de edição, produção ao vivo, entender cameras, saber sobre transmissão, micro-ondas… tudo. As empresas da indústria não deveriam ter medo de novas tecnologias, porque nossos clientes não tem.

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