Conversamos com o Diretor de Tecnologia e Operações do SBT sobre sua visão para alguns temas-chave para o futuro da televisão.
Raimundo Lima é uma das figuras emblemáticas do mercado broadcast brasileiro. Com uma carreira iniciada em 1978 em frente as câmeras, o profissional migrou aos poucos para os bastidores, especializando-se na produção e gestão de operações até assumir totalmente o manto da tecnologia como Diretor desta área do SBT.
Membro ativo da Sociedade de Engenharia de Televisão e do Fórum do Sistema Brasileiro de Televisão Digital, Lima é um dos profissionais mais bem informados sobre as tendências e o futuro que as emissoras terão que enfrentar neste momento de transição. Conversamos com o profissional para entender sua visão sobre temas como o atual momento de transformação do modelo de negócio da TV, a morte do broadcast tradicional e as transformações para o ISDB-Tb. Confira:
Panorama Audiovisual: Como você começou sua carreira na Radiodifusão brasileira?
Raimundo Lima: Meu caminho foi o menos ortodoxo que possa imaginar. Comecei em 1978 na emissora Diários Associados como ator. Com o tempo, fui para os bastidores passando a escrever e dirigir até que sai da televisão e fui para o teatro. Em 1988 voltei para televisão para trabalhar nos escritórios da Rede Globo em Nova York, onde atuei como editor e produtor nesta operação que é basicamente de jornalismo para atender Jornal Nacional, Fantástico, Globo Repórter entre outros.
Voltei para o Brasil em 1997 e, graças a esta minha convivência com o departamento de jornalismo, fui ser o editor-executivo do departamento de jornalismo da TV Bandeirantes, em São Paulo. Passei pela mesma função na TV Cultura e no SBT até que retornei para a Bandeirantes como chefe de redação do jornalismo onde, por uma alteração interna, acabei me tornando diretor de produção da TV Bandeirantes. Com o advento da TV Digital na Band, em 2007, eu virei o diretor de tecnologia coordenando engenharia e operações.
Em seguida tive uma passagem muito rápida pela cultura e voltei ao Rio de Janeiro onde fui trabalhar no Esporte Interativo como Diretor de Produção, voltando a lidar com jornalismo esportivo e produção de uma maneira geral. Em 2011 fui convidado pelo SBT para assumir este cargo de Diretor de Tecnologia e Operações que ocupo até hoje.
PAV: Nestes anos todos você pode vivenciar muitas transformações da indústria. Qual foi o momento mais desafiador?
Lima: O momento atual. Digo isso porque não é só momento de uma evolução da tecnologia de televisão, como foi a troca do preto e branco para o colorido, ou o advento da TV Digital em 2007, que foram operações simultâneas entre o novo e o antigo e houve tempo para todos irem se adaptando enquanto mantinham as duas coisas. Nos tempos atuais, a cultura digital significa muito mais do que o sinal digital para a televisão. É um retrato da contemporaneidade do nosso planeta, com toda uma geração nascida sob este signo digital que já surgiu consumindo de uma forma diferente.
O grande elemento da inclusão digital não foi o computador ou o tablet, foi o smartphone, onde você tem tudo à seu alcance muito rápido em suas mãos. Este é o momento mais importante de transformação para a televisão.
PAV: Também é um momento de transição dupla na infraestrutura das emissoras, pois estamos vivendo o desligamento analógico e a migração IP. As emissoras brasileiras estão dando conta destes dois pontos ao mesmo tempo?
Lima: No caso da TV Aberta, de uma maneira geral, sim. Lógico que umas mais e outras menos de acordo com seu fôlego de infraestrutura e seu apetite de estar dentro do universo digital. Falando do SBT, ele tem sede de estar muito mais enfronhado no meio digital do que a gente consegue, seja por capacidade de investimento ou conhecimento interno. Temos números fantásticos no mundo digital, mas não achamos o modelo de negócio para o faturamento acompanhar na mesma proporção.
No youtube o SBT é maior TV do mundo em presença, mas isso ainda não se traduziu na sustentação do negócio. Estamos aprendendo conforme investimos.
De uma maneira geral, sim, a TV Aberta brasileira, por mais que vejamos experiência fantásticas em outros países, temos que ver a experiência brasileira, nosso nível de educação, realidade socioeconômica, então estamos acompanhando sim.
O SBT tem números fantásticos no mundo digital, mas não achamos o modelo de negócio para o faturamento acompanhar na mesma proporção.
PAV: Tenho a impressão de que até a pouco tempo, a missão da engenharia de televisão era fazer o sinal chegar a todos os lugares. Hoje, parece que além disso é preciso conseguir fazer de uma forma a gerar possibilidade de monetização das emissoras. Como isso afeta o dia-a-dia das equipes técnicas?
Lima: Ai tem dois fatores que são fundamentais e que temos que levar conta o que afeta como fazíamos e como estamos fazendo. O primeiro é a diferença entre o sinal analógico e o digital da TV. Pegando o exemplo da cidade de São Paulo, no analógico você tinha um ponto de transmissão que era a torre do Sumaré. Dali você irradiava o sinal do SBT para toda a grande SP. A partir do momento que foi desligado o sinal analógico em São Paulo, pelas própria características técnicas de transmissão do sinal digital, fazer isso com um único transmissor na torre do Sumaré já não é suficiente para cobrir toda a área, então precisamos criar reforçadoras, repetidoras SFN, gap fillers… Onde cobríamos com um transmissor, hoje precisamos ter sete, oito. Só ai já mudou muito.
Então, isso por si só já tornou esta transmissão mais complexa, mas em compensação tem mais qualidade de áudio e vídeo na casa do espectador e outras vantagens do sinal digital. Esta foi uma mudança por si só muito grande.
Outra mudança foi o surgimento destas novas mídias e o fenômeno da multi-plataforma. Então nosso sinal está no youtube, está no twitter, no Instagram. Não é apenas uma duplicação do sinal, esta é a diferença. A gente não pega o sinal do jeito que ele vem da TV aberta e duplica ele para as outras plataformas…até usamos um canal ao vivo no Facebook com o mesmo conteúdo, mas no restante, mesmo dentro do próprio YouTube, temos um SBT com programação especial.
PAV: Você poderia dar um exemplo deste formato?
Lima: Um exemplo é o Teleton ano passado, a TV Aberta mostrava o programa oficial do jeito que se conhece, e no mundo digital tinha o Teleton+, uma variação adequada ao mundo digital. Nesta transmissão, não tem break como tem na TV aberta, porque é outra linguagem, público, outra maneira.
Os desafios para a engenharia hoje, além de entregar o sinal digital da TV aberta para manter o público, também temos a distribuição para as novas plataformas e que se dá de maneira diferente. Para cada uma das plataformas, você tem uma maneira diferente de transmitir. Temos múltiplas transmissão simultâneas aqui na empresa.
PAV: Alguns gurus tecnológicos estão marcando a morte da TV Aberta para 2030 por conta do crescimento das plataformas OTT. Você concorda com esta previsão?
Lima: Não compartilho da visão que uma coisa mata a outra. O rádio, por exemplo, foi anunciada sua morte quando veio o cinema, depois o enterro quando surgiu a TV, e ele continua vivo até hoje, claro com outro formato e consumido de uma forma diferente.
Eu gosto de repetir as palavras de um especialista da BBC que ouvi uma vez, mas agora não me recordo o nome… “Se não existisse TV Aberta e alguém a inventasse agora, este inventor ganharia todos os prêmios possíveis”, isso porque é uma forma única de entregar sinal de um para muitos sem ter o custo aumentando a depender do alcance, diferente do OTT, em que o custo aumenta com o tamanho da audiência.
Claro que o OTT tem as vantagens de poder ser consumido em qualquer lugar, mas vai acabar custando muito para quem está produzindo. Além disso, não existe congestionamento de banda na TV Aberta, se o sinal está disponível, todos podem sintonizar.
Eu não acredito em morte da TV Aberta, pois ela é um transatlântico, é muito grande aqui no Brasil, e o brasileiro está acostumado a consumir TV Aberta. Um transatlântico não faz uma mudança de rota de 90 graus imediatamente, é preciso ir fazendo a curva gradualmente. Então, a TV Aberta vai encontrar seu modelo de negócio, sua convivência com o OTT e outras formas de transmissão que virão a surgir.
Nestas quase quatro décadas de trabalho na TV, já ouvi anunciarem o fim da TV Aberta algumas vezes, e nunca nada se concretizou.
Uma atualização do ISDB-Tb precisa ser feita na realidade do espectro disponível, não dá pra pensar numa evolução do sistema que dependa de mais banda
PAV: Temos visto como principal tendência no broadcast a ampliação da parte de grafismos e realidade aumentada. Como você vê a implementação disso pelas emissoras brasileiras?
Lima: Deixa eu falar um pouco da minha concorrente (TV Globo), veja por exemplo o Jornal Nacional, que agora faz uso de realidade aumentada e virtual naquele cenário. Eu pessoalmente, e afirmo que não quer dizer que seja a política do SBT, pois não respondo pelo conteúdo artístico, mas eu gosto muito de grafismo e tudo que venha enriquecer a experiência visual.
É preciso lembrar que os fabricantes de aparelhos de televisão tem um impacto violento na tecnologia, agora com TVs de Led, OLED 4K, com diversas features e dai as empresas que fornecem conteúdo precisam correr atrás e explorar isso. A compra de uma TV de 65” 4K com conexão IP se tornou um elemento comum, aliás ficou raro você encontrar no mercado um televisor que não traga estas funcionalidades. Então temos a obrigação de correr atrás de oferecer gráficos, gama de cores expandida…. Aliás, o HDR é algo que fornece a possibilidade de trabalhar cores de uma maneira incrível e transforma a experiência de consumo do espectador.
PAV: Além desta oferta de TVs 4K HDR, estamos vendo agora uma linha mais barata de televisores Full HD HDR. Você vê esta como a tendência a ser seguida, e já é possível fazer a entrega neste formato na TV Aberta?
Lima: Você já consegue fazer isso desde que produza neste formato. Esta é uma preocupação do SBT também, ter um parque de câmeras que possa produzir em HDR, pois é algo que precisa ser pensado desde captação e traz muito benefício ao espectador.
Eu particularmente acho o HDR uma adição incrível à televisão, pois faz muita diferença. Se você colocar lado a lado uma transmissão HDR e outra sem, vai ter uma sensação muito mais agradável com o HDR. Mas não é para todo tipo de conteúdo, não vejo jornalismo sendo produzido em HDR, mas para dramaturgia e esportes cai como uma luva.
PAV: Estamos vendo algumas experiências com ATSC 3.0 no Brasil. Tivemos o evento durante a Copa do Mundo no Museu do Amanhã e também uma demonstração durante a SET Expo. Você vê este padrão como um possível substituto do ISDB-Tb?
Lima: Como membro da SET e do Fórum SBTD não vejo, nem pessoalmente, nem como membro destas instituições esta substituição acontecer. O ISDB-Tb foi muito bem escolhido, de forma genial, e implementado no Brasil com ainda mais capacidades do que o sistema Japonês oferecia originalmente. O que o ATSC 3.0 traz agora é uma atualização de funcionalidades que o ISDB-T já tinha desde o começo, como transmissão móvel. O que temos é um trabalho forte dentro destas instituições para uma atualização do ISDB-Tb, que ainda não sei como vai chamar. Vejo até que podemos trazer capacidades inspiradas no ATSC 3.0, mas não há motivos para o Brasil abrir mão do próprio sistema.
PAV: Mas existe a preocupação se haverá espectro para implementar uma atualização como esta em simultaneidade. Como você vê isso?
Lima: É preciso fazer as coisas dentro da realidade que você tem, seja através do estudo de novas compressões para ter espaço e incorporar novas funcionalidades. Se vamos chegar ao ponto de transmitir em 4K pelo ar, ai é outra conversa, agora uma atualização do ISDB-Tb precisa ser feita na realidade do espectro disponível, não dá pra pensar numa evolução do sistema que dependa de mais banda, porque esta não é a realidade agora.