A tecnologia por trás da principal sensação da Copa do Mundo 2018
Virou sensação. Mal a Copa do Mundo 2018 havia começado e o principal assunto já era ele, o VAR. Nome curto para Video Assistant Referee, ou, em bom português, Árbitro Assistente de Vídeo, o VAR foi o maior salto tecnológico no que diz respeito às regras do futebol em si desde o início das competições profissionais do esporte.
A premissa é simples: usar a tecnologia televisiva à favor de revelar a realidade por trás de lances dúbios ou propositalmente simulados por jogadores, eliminando um dos principais motivos de revolta de torcidas ao redor do globo: os erros de arbitragem que influenciam no resultado final da partida.
Bastou a primeira rodada acontecer para que pudéssemos ver o quão intensos, para o bem, os efeitos do VAR viriam a ser. O gesto do “quadrado desenhado no ar” com as mãos passou a ser o símbolo universal de que uma injustiça estava para ser corrigida ou um deslize concertado, para alegria ou tristeza de muitos.
O VAR foi utilizado em todas as 64 partidas da competição realizando 455 checagens, uma média de 7.1 por partida. Foram 20 correções, incluindo uma porção de penalties, gols anulados, impedimentos e faltas violentas. Se a produção televisiva já era central para a existência do futebol, com a chegada do VAR ela se torna praticamente simbiótica, e deve mudar o jogo para sempre.
Entendendo o “quadrado mágico”
O VAR, que começou a ser testado pela FIFA mais de um ano antes da Copa do Mundo no mundial de clubes de 2016, cresceu aos pulos e contou com a vantagem de aprender de implementações similares em ligas domésticas, como a Bundesliga na Alemanha, a Seri A da Itália e a Major Soccer League nos Estados Unidos.
“Nós tínhamos a grande vantagem de poder aprender destas experiências”, afirma Sebastian Runge, líder do grupo de inovações do futebol da FIFA. “Nós estávamos em contato com todas as estas ligas para tentar aprender juntos e chegar a este setup. Por hora, estamos muito felizes com o que conseguimos”.
Existem duas salas de controle do VAR dentro do IBC em Moscou, com duas estações completas de VAR cada. Cada estação tem inúmeros monitores, incluindo o feed ao vivo da partida, vários feeds isolados e replay. Uma equipe de VAR é composta pelo VAR principal e três assistentes (AVAR1, AVAR2 e AVAR3), todos árbitros oficiais da FIFA.
O trabalho do VAR principal é assistir o feed da câmera principal e, em um monitor touch com 4 divisões que ele controla, revisar os incidentes quando necessário. O VAR principal é o único membro do time dentro da sala de controle que pode recomendar que o árbitro de campo faça uma revisão oficial, mas é sempre a decisão do árbitro em capo usar o monitor que fica dentro do estádio ou não.
Enquanto isso, o AVAR1 também observa o monitor do feed principal, principalmente quando o VAR precisa tirar os olhos dele para fazer alguma revisão no replay. O AVAR2 está posicionado na estação dedicada a cobrir impedimentos. O AVAR3 assiste o feed ao vivo da HBS enquanto oferece suporte na comunicação entre o VAR e árbitro em campo.
Todos os 12 estádios na Rússia estavam conectados por fibra óptica ao IBC e à sala de controle do VAR. Dentro da sala de controle, a equipe do VAR tem acesso a cada feed de câmera individual gerado pela HBS. Isso inclui oito feeds de super-slow-motion, quatro dos quais são ultra-slow. Há também duas câmeras fechadas usadas nos monitores de impedimento.
O complemento de câmeras expandiu conforme o torneio avançou para a fase de mata-mata. Uma câmera ultra-slow em grua foi adicionada atrás de cada gol. As diversas câmeras de slow-motion são muito úteis para as situações de revisão do VAR, bem como estabelecer o ponto de contato entre jogadores para avaliar uma possível falta. O único feed que a sala de controle do VAR não recebe são aqueles considerados desnecessários, como a câmera aérea em helicóptero, as câmeras de filmagens cinematográficas e entrevistas, etc.
Linha de impedimento
Uma das principais adições para fazer o sistema da copa do mundo foi a introdução de uma estação de impedimentos à sala de controle do VAR. Duas câmeras estáticas foram instaladas em todos os 12 estádios, posicionados entre a cabeça da área de o meio-campo para dar uma visão clara de qualquer chamada de impedimento. Os feeds brutos destas câmeras são de uso exclusivo do VAR (HBS não tem acesso direto à eles e pode transmitir somente replays providos pela sala do VAR), e, um membro da equipe do VAR é dedicado exclusivamente a revisar chamadas de impedimento.
“Mesmo com as 37 câmeras usadas na produção, nós identificamos que esta área não era tão bem coberta para fazer uma decisão de impedimento por conta do ângulo de visão”, afirma Runge. “Ficamos muito felizes com isso e foi uma grande adição ao VAR”.
A solução de monitoração de impedimento é integrada com tecnologia de linha do gol. Uma linha de impedimento gerada por computador é criada e pode ser usada para ajudar o VAR e o árbitro de campo a fazer o julgamento em impedimentos.
Comunicação com o Campo
Um dos principais obstáculos no início do uso de VAR era a comunicação entre o árbitro de campo e a sala de controle do VAR. De acordo com Runge, foi o maior desafio quando o sistema foi usado na Copa do Mundo sub-20 de 2017.
Após o torneio, a FIFA percebeu que precisava afinar a comunicação antes deste grande evento. Também era o momento em que foi tomada a decisão em dividir áudio e vídeo. Tendo total confiança nos fluxos de trabalho de video, a FIFA via a necessidade de trabalhar com uma empresa cuja expertise fosse exclusivamente em áudio.
“Nós investimos muito tempo e dinheiro para garantir que as comunicações funcionassem”, afirma Runge. “Por que, mesmo com o melhor sistema de revisão de vídeo do mundo, se o VAR não conseguir se comunicar adequadamente com os caras em campo, o sistema é inútil”.
Ao contrário da NFL e da NHL, a FIFA não exige que o árbitro em campo faça uma explicação formal após mudar uma decisão tomada em campo. A mudança é simplesmente executada. Fazer um anúncio foi considerado, mas não encaixava na filosofia do jogo atual.
Ao invés disso, um membro da equipe na sala do VAR, usando um tablet, informa os broadcasters e espectadores acessando as diversas plataformas digitais da FIFA qual foi a resolução. O membro da equipe pode selecionar um gráfico com profundidade que mostra as possíveis decisões. Quando todos os itens são selecionados, a informação sobre a chamada é automaticamente gera mensagens para os narradores em campo e fora deles, junto com gráficos para uso na televisão, no telão do estádio e no site da FIFA.
Para além da Copa do Mundo
Um dos principais pontos a se discutir agora é a universalização do VAR. A primeira vista parece bastante difícil que se trate de uma tecnologia que seja amplamente adotada pelas principais ligas, mesmo nos países ricos. Em uma Copa do Mundo, todas as partidas são transmitidas com a mesma infraestrutura de qualidade, independente da magnitude do jogo, algo que não acontece na maioria das ligas domésticas.
Além disso, há a questão dos custos de implementação, gestão e manutenção de equipamentos de arbitragem de vídeo, que podem acabar ficando proibitivos para alguns clubes ou federações menores. Devemos continuar vendo o VAR em campeonatos internacionais onde o valor agregado da transmissão é alto, no entanto.
Independente de quanto tempo leve para uma maior acessibilidade, é inegável que o VAR é a mais nova ferramenta tecnológica que chega para revolucionar o esporte mais popular do planeta. Somado à Ciência de Dados aplicada ao esporte e outros tipos de uso de computação para aprimorar a performance dos atletas, o VAR inaugura uma nova, e bem vinda era TECH para o futebol. Que seja bem aventurada.
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