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Do tamanho da história da TV

Por Redação

A TV Cultura finaliza mais uma etapa da digitalização de seu acervo graças à integração das ferramentas do mercado com desenvolvimento interno.

Acreditar que o desafio da tecnologia em uma emissora de TV está somente em inovar é um erro comum para quem não conhece o mercado afundo. Muito além de trazer novos formatos, resoluções e ampliação da qualidade, os departamentos técnicos destas empresas travam uma briga diária para orquestrar fluxos de trabalho cada vez mais eficientes, em outras palavras, fazer mais gastando menos. Há um outro aspecto da aplicação tecnológica que muitas vezes passa desapercebido de grande parte das pessoas: a preservação do conteúdo.

Hoje, em um mundo totalmente digital em que a informática está presente no dia-a-dia da maioria das pessoas, parece totalmente intuitivo que as emissoras guardem suas produções em discos rígidos, drives de estado sólido, discos ópticos ou equivalentes em formato de arquivo digital. A verdade, porém, é que este modus operandi é uma possibilidade bastante recente e que por décadas de operação as emissoras dependeram do armazenamento de seus materiais em filme, Fitas Beta, Fitas Quadruplex e outras.

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A necessidade de preservação histórica e também a possibilidade de reutilização de alguns dos conteúdos têm levado as emissoras a investir fortemente em tecnologia capaz de digitalizar estes acervos e torná-los ativos novamente. É o caso da TV Cultura, que criou internamente uma integração capaz de otimizar este processo e finaliza agora em Janeiro de 2019 de digitalizar todas seu acervo de Fitas Beta, somando mais de 11.500 horas de conteúdos.

Dona de um dos mais ricos acervos da TV Brasileira, a emissora da zona oeste de São Paulo faz parte da Fundação Padre Anchieta, entidade mantida de forma híbrida por orçamento do governo do Estado e também capital privado. Além da Cultura, a Fundação, e sua equipe técnica, são responsáveis por mais 6 canais: O canal digital Multicultura, a TV Rá Tim Bum, a Univesp TV e as rádios Cultura FM e Rádio Cultura Brasil.

Com sua primeira transmissão aberta realizada no dia 15 de Junho de 1967, a emissora acumulou uma quantidade valiosíssima de produções, sobretudo dos anos 1970 e 1980, sobretudo pela ousadia e preocupação com a qualidade conceitual de seus programas. “Muitos dizem, e é verdade, que a história da TV Brasileira reside em nosso acervo”, orgulha-se Gilvani Moletta, Diretor Técnico da Emissora.

É exatamente por conta desta importância que a Fundação tem investido há anos no processo de digitalização e catalogação de todo este material. “Após concluirmos a digitalização de cerca de 11.500 Fitas Quadruplex em 2014, estávamos procurando um fluxo de trabalho para as fitas Beta que fosse capaz de agilizar o processo e automatizar a inclusão de meta-dados com as bases que já tínhamos em softwares como Oracle e outros”, explica Moletta.

A TV Cultura tem passado por um longo processo de modernização de seu departamento de engenharia, confiando em velhas parceiras como a Grass Valley

A solução encontrada veio da integração de um equipamento de alto nível com uma boa dose de desenvolvimento interno. “Nós fazemos uso dos servidores de playout K2 da Grass Valley já há muitos anos, e resolve-mos coloca-los em prática também para realizar a captura e gravação deste trabalho de digitalização”, conta Rodrigo Galafati, Coordenador Técnico de Engenharia da emissora. Para este processo, o K2 é utilizado recebendo os sinais SDI das máquinas de captura e transformando e gravando o arquivo digital. “É neste meio do caminho que entra um sistema que desenvolvemos internamente fazendo uso da API do K2. Esse sistema usa as informações que o servidor da Grass Valley gera como meta-dados, mas também agrega informações como Time Code In e Out e tudo que já tínhamos catalogado em nossos bancos de dados referente a cada uma das fitas”, explica.

Com os meta-dados incorporados, os arquivos seguem o caminho padrão de armazenamento digital da emissora. Primeiro são colocados no sistema Near-Line, ou seja, gravados em servidores com discos rígidos padrão geralmente utilizados para materiais que precisam de acesso rápido e ainda estão em produção, como os materiais jornalísticos capturados durante as externas do dia. Com o passar do tempo, já no fluxo de trabalho padrão da emissora onde tudo que vai ficando mais antigo no Near-Line precisa desocupar o espaço, os arquivos são salvos em arquivamento de fitas LTO padrão. “Claro que no meio deste processo temos ainda uma instância de Controle de Qualidade para garantir que tanto a digitalização como a inserção dos meta-dados funcionou corretamente e que nada precisa ser refeito”, explica Galifati.

Com a topologia do sistema pensada, foi a hora de expandir e atualizar com a aquisição da nova versão do Grass Valley K2 Summit 3G Transmition. Os novos K2 são compactos, ocupando somente duas unidades de rack e servindo dois canais de playout e dois canais bi-direcionais por unidade. Os novos servidores somados ao parque já instalado do sistema deu à Cultura um total aproximado de 70 canais disponíveis dentro da emissora usados desde a exibição de fato dos 6 Canais da Fundação Padre Anchieta, até gravação nas ilhas e unidades móveis e o processo de digitalização do acervo.

Os novos servidores K2 Summit 3G da Grass Valley atuam tanto nos canais de exibição quanto no processo de digitalização do acervo da emissora

Com este sistema, a TV Cultura conseguiu atingir um tempo de digitalização de 30% a 50% mais rápido que tempo real, o que permitiu uma constante de até 100 horas de conteúdo digitalizado por dia de trabalho. “O K2 Sempre se mostrou um servidor muito robusto e confiável. A incidência de erros é muito pequena, e o custo disso é muito acessível e isso permita que possamos manter o investimento e mantendo qualidade”, explica Galafati.

Problemática Pós-digitalização
Não há dúvidas que o processo de digitalização de um acervo tão rico quanto o da TV Cultura traz inúmeros benefícios para a emissora. A capacidade de ter imagens de arquivo dentro de seu sistema de Mídia Asset Management (MAM), permitindo buscas por meta-dados e facilidade de integração no fluxo de trabalho de produção e edição, por exemplo, é essencial para a pesquisa jornalística e documental de fatos históricos do país.

Outra iniciativa possível é a da disponibilização destas inúmeras horas de entrevistas, festivais de música e materiais históricos à população, por meio de um sistema de fácil acesso, como um OTT por exemplo. Neste ponto, porém, a emissora encontra um desafio muito mais jurídico do que diretamente técnico. “Nossa vontade é de que a população tivesse acesso à este material todo, afinal, a TV Cultura é mantida em parte pelo Estado e o desafio de dar às pessoas acesso à este conteúdo é uma forma de retribuição”, comenta Gilvani Moletta. “Porém há um grande problema referente aos direitos autorais das pessoas e familiares das pessoas que foram registradas nestes conteúdos”.

Para garantir a veiculação legalizada de todo este conteúdo, a Emissora precisaria entrar em contato com todos os potenciais beneficiários dos direitos de imagem e autorais para realizar acertos, sob a possibilidade de receberem processo jurídico caso não seja executado. Tanto o custo da operação quanto a possibilidade das idenizações na justiça tornam a tarefa muito mais complexa e custosa para a emissora.

“Eu acredito que um museu seria um destino muito mais nobre para uma mídia que foi responsável por toda catalogação e registro histórico da TV”, afirma Gilvani Moletta

Já um problema de ordem bem mais prática é a questão do armazenamento físico das fitas que foram digitalizadas. Em todo discurso de venda de sistemas de digitalização, qualquer fornecedor acaba comparando os custos de manter uma sala de acervo, como energia elétrica, ar condicionado e riscos de incêndio, com o investimento necessário para transformar tudo aquilo em arquivos digitais. Este comparativo, porém, só seria verdade se logo após digitalizar todo o conteúdo, as mídias físicas fossem simplesmente descartadas, o que nem sempre é o caso.

“Temos discutido muito este tema, sobre o que fazer com estas fitas que já foram digitalizadas. Sabemos que mesmo algumas grandes emissoras do mundo não tem uma ideia clara de como resolver este problema”, confessa Gilvani Moletta. O fato é que um simples descarte soa como uma forma pouco respeitosa de tratar a história da TV Brasileira, além da possibilidade de tornar parte do acervo público ou disponível para pesquisa. “Eu acredito que um museu seria um destino muito mais nobre para uma mídia que foi responsável por toda catalogação e registro histórico da TV”.
Durante a apuração desta reportagem tentamos contato com a Pró-TV, entidade mantenedora do Museu da TV Brasileira, mas não conseguimos contato.

Novos Rumos
Não é só de passado e que vive a TV Cultura. A emissora segue olhando para frente e buscando novas formas de criar conteúdo e manter-se par com o que há de mais moderno na produção televisiva a nível mundial. Para 2019 dois grandes projetos prometem modernizar a forma de fazer televisão dentro da Fundação Padre Anchieta.

A primeira delas é a construção de uma nova Unidade Móvel de Produção totalmente preparada para UHD e HDR. “A Cultura produz muitas captações de performances de música clássica que sempre acontecem em ambientes muito bonitos. Este tipo de conteúdo chamou atenção inclusive de emissoras de outros países, que gostariam de licenciar as produções”, explica Moletta. Diante da possibilidade de re-monetização do conteúdo, a direção da emissora tratou rapidamente de investir na atualização de uma de suas UMs para estar a par com o que é exigido mundialmente.

“Nós fazemos uso dos servidores de playout K2 da Grass Valley já há muitos anos, e resolve-mos coloca-los em prática também para realizar a captura e gravação deste trabalho de digitalização”, afirma Rodrigo Galafati

O novo empreendimento será construído em um dos carros que já emprega uma UM de produção que será desmontada. A princípio serão 6 câmeras Panasonic com capacidade de produção UHD HDR, mas o projeto prevê expansão para até 10 unidades até o final do ano. Toda a infraestrutura será construída em 12G SDI e o coração da UM ficará por conta de um Switcher BlackMagic ATEM.

“Estamos prevendo ter um estúdio dedicado à programas musicais com vários temas, que têm feito grande sucesso em nossa programação, então usaremos esta nova UM tanto internamente como em gravações externas”, conta Moletta. Entre as atividades de externas que a nova Unidade Móvel deve fazer está a gravação das apresentações do projeto Jazz Sinfônica do Governo do Estado e que é considerado um grande case de sucesso na emissora. “É um projeto que merece esta altíssima definição”, conclui.

A outra grande novidade para 2019 tem a ver com produção de áudio. A emissora está repropositando uma área não usada de seu campus para a construção de um estúdio de mixagem 7.4.2 homologado pela Dolby para produção em Atmos. “Estamos finalizando o processo de contratação da parte civil e projeto de acústica e devemos começar a reforma em fevereiro. Dai são mais 60 dias para ter tudo pronto”, conta o Diretor Técnico.

Apesar de ainda estar bastante pré-maturo, Moletta espera poder contar com outro parceiro de longo prazo da emissora, a Yamaha. “Temos uma grande relação com eles quando nos ajudaram a transformar toda a infraestrutura da emissora para áudio por IP com protocolo Dante, o que otimizou muito nosso fluxo de trabalho. Agora com uma sala Dolby, vamos elevar a qualidade do produto para exibir em qualquer tipo de janela de exibição”, finaliza.

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