José Francisco Neto é colorista sênior e fundador da DOT, uma empresa de pós-produção com sede em São Paulo. Seu trabalho abrange desde curtas e longas-metragens até produções episódicas importantes, como “Aruna’s Magic”, da Disney. Ao longo de seus 30 anos de carreira, Neto também atuou como Supervisor de Pós-Produção e Supervisor de VFX, o que enriquece sua perspectiva como colorista. Ele é membro ativo da Associação Brasileira de Cinematografia (ABC), onde promove a disseminação de conhecimento e o desenvolvimento da indústria.
Agora em seu quarto ano, o FilmLight Colour Awards celebra a arte da cor ao redor do mundo e busca refletir os valores culturais, visuais e técnicos da comunidade internacional de correção de cor nos dias de hoje. O objetivo é incentivar o crescimento do prestígio dos coloristas em todos os níveis, de profissionais iniciantes a veteranos da indústria, e reconhecer o valor que eles agregam à indústria cinematográfica. O prêmio está aberto para coloristas de qualquer plataforma de correção de cor e as inscrições são avaliadas por um painel independente composto por diretores de fotografia, diretores, coloristas e criativos. Os vencedores serão revelados durante o EnergaCAMERIMAGE, em novembro. José Francisco Neto falou sobre seu papel no FilmLight Colour Awards, a importância de reconhecer a arte do colorista, seus conselhos para jovens aspirantes a coloristas e muito mais.
O que o atraiu para ser jurado no FilmLight Colour Awards?
José Francisco Neto: O prêmio é uma oportunidade única para a comunidade do cinema celebrar conquistas, se conectar e aprofundar no processo de correção de cor. Além disso, é uma chance rara de ver uma variedade de trabalhos do mundo inteiro, oferecendo uma diversidade cultural sem precedentes aplicada às artes visuais. Isso é importante para entender como nosso trabalho pode ser recebido pelo público global, não só por meio de plataformas de streaming, mas também pela distribuição tradicional e festivais, que se tornaram mais globalizados.
Você considera importante que coloristas sejam reconhecidos em prêmios como esse?
Neto: Com certeza! Para contextualizar, o trabalho do colorista é extremamente difícil de ser avaliado, pois faz parte da cinematografia como um todo. Pode-se argumentar que é uma parte muito importante, já que dá a forma final à fotografia, mas, por outro lado, é inseparável de outros elementos que contribuem para o resultado visual final.
A colaboração com diferentes diretores de fotografia (DoPs) resulta em níveis variados de contribuição do colorista, então o input artístico pode mudar significativamente de projeto para projeto.
A correção de cor é uma mistura de habilidades técnicas e artísticas. Às vezes, é uma “arte sob demanda”, onde atendemos às necessidades do projeto. Em outras, temos liberdade criativa para propor e influenciar fortemente o visual final. A cor tem uma habilidade incrível de comunicar ou induzir emoções, assim como a música faz. Todos esses aspectos tornam a avaliação do trabalho dos coloristas um processo desafiador.
Curiosamente, na minha visão, ter um vencedor não é o mais importante. Claro, sempre haverá um vencedor que merece os elogios. Basta olhar para os últimos ganhadores – trabalhos absolutamente incríveis. Mas acredito que a verdadeira importância do prêmio é maior. Trata-se de dar destaque a muitos profissionais talentosos que contribuíram significativamente para visuais extraordinários e encantaram o público mundial. Homenagear e celebrar esses artistas, assim como a arte da correção de cor em si, é algo que faltava até o surgimento do FilmLight Colour Awards. E somos muito gratos por isso.
O que pensa sobre a categoria Spotlight?
Neto: Que nome incrível para uma categoria. Uma única palavra que explica tudo. A categoria Spotlight é extremamente bem-vinda pelos motivos que acabamos de discutir. Talentos emergem em todos os lugares, até mesmo em locais onde a indústria cinematográfica é pequena ou inexistente, mas há coloristas com culturas ricas e visões únicas. Abraçar esses talentos é essencial para enriquecer e evoluir o jogo das cores.
Sendo do Brasil, diria que a correção de cor muda de acordo com a cultura?
Neto: Essa é uma questão complicada… Não tenho certeza, mas tendemos a acreditar que sim. A cultura visual de uma sociedade é moldada por uma gama ampla de experiências, incluindo obras icônicas, festivais tradicionais, trajes, arquitetura, TV, tendências de moda, entre outros. Não podemos esquecer da luz predominante à qual as pessoas estão expostas. Essa cultura visual pode servir como uma base comum para o diretor, diretor de arte e cinematógrafo construírem o visual desejado de uma peça, e o colorista também não seria exceção.
Geralmente, há uma apreciação maior por contraste e saturação em sociedades com luz tropical, enquanto filmes de países do norte muitas vezes usam tons mais suaves. Preferências culturais são claramente observáveis em relação aos tons de pele, mas não sei se há evidências em outros aspectos. O prêmio é uma excelente oportunidade para observar esse fenômeno mais de perto e aprender com ele.
Como prefere trabalhar com o diretor de fotografia na correção de cor?
Neto: Ao longo dos anos, tive a oportunidade de trabalhar com muitos diretores de fotografia diferentes, e o processo nunca foi o mesmo entre dois deles. Precisamos nos adaptar, absorver e aprender o máximo possível. Mas, para responder à pergunta, um método se destacou – o diretor de fotografia não dá nenhuma instrução prévia e pede que eu proponha três looks. Ele então escolhe um como ponto de partida e faz suas considerações.
Essa abordagem nos dá um nível significativo de autoria e ajuda o trabalho a fluir de forma agradável, pois o visual final é construído com base na convergência de ideias e na confiança. É uma estratégia muito inteligente. Não preciso dizer que nos tornamos grandes amigos.
Como colorista sênior e fundador da DOT, qual é o seu conselho para jovens e aspirantes a coloristas?
Neto: No meu país, conforme os profissionais de correção de cor se espalham cada vez mais, há uma forte dependência de tutoriais online. Eu percebo que os jovens profissionais focam muito em aprender como fazer as coisas e não tanto em entender por que as fazem. Eles não dedicam tempo suficiente para se concentrar na arte e na expressão por meio das imagens. Venho de um background que une arte e ciência (engenharia), onde aprendíamos tanto em laboratórios quanto com diretores de fotografia. Nos laboratórios, seguimos o manual, enquanto os diretores de fotografia empurram os limites e distorcem a realidade. Cada um tem uma filosofia distinta para conceber a imagem que busca, e uma abordagem diferente para a iluminação. É um ambiente extremamente rico em termos criativos.
Os fluxos de trabalho modernos estão distanciando os diretores de fotografia dos coloristas, por meio de sessões remotas, tutoriais excessivos ou limitações de produção. Meu conselho é: gadgets são incríveis, mas tente deixá-los de lado por um tempo e desenvolva sua alma artística. Compre um kit de aquarela e mergulhe na pintura. Aprenda a misturar suas próprias paletas para entender melhor as cores como forma de expressão. Mesmo que o resultado não seja excelente, o que importa é o tempo dedicado a escolher as cores com cuidado e desenvolver sua percepção do significado por trás das imagens que você gradua.
Qual projeto está trabalhando atualmente?
Neto: Estou envolvido em vários projetos. Entre eles, um novo curso para iniciantes focado em desenvolvimento de looks. Estou muito animado por utilizar a nova ferramenta de desenvolvimento de looks da FilmLight, o Chromogen, para demonstrar meu processo de construção de um look. Acho que será um grande avanço na educação, trabalhando diretamente na percepção da imagem, em vez de apenas ajustar botões, o que geralmente resulta em efeitos indesejados. Também estou trabalhando na melhoria e promoção de fluxos de trabalho de VFX que aproveitem melhor a correção de cor para aprimorar os resultados em composições complexas. Por fim, estou prestes a trabalhar em um novo longa-metragem de um grande amigo, onde terei o prazer de propor três looks diferentes.
Alguma consideração final?
Neto: O futuro da nossa profissão é sempre um tema quente. Estou muito curioso para ver como o mercado vai reagir às ferramentas de IA que certamente virão. Até que ponto a automação deixará de ser um auxílio para se tornar uma orientação ou até mesmo substituir totalmente a tomada de decisões? É um momento muito interessante para viver, não acha? Da minha perspectiva, diria que a maioria dos trabalhos feitos hoje será substituída por ferramentas automatizadas, abrindo espaço para um novo tipo de colorista. A tecnologia tem o poder de mudar a maneira como fazemos as coisas, e precisamos nos adaptar, mas estou confiante de que sempre haverá espaço para a criatividade humana, incluindo nossa incrível capacidade de transformar erros em uma nova tendência criativa.
Site relacionado: https://www.filmlightcolourawards.com/
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