Conversamos com o Diretor de Tecnologia de Esportes da Rede Globo sobre o futuro da transmissão esportiva
Não há dúvida que um evento como a Copa do Mundo é um momento crucial para a implementação de novos fluxos de trabalho e o uso de novidades em termos de tecnologia de produção e transmissão. Especialmente em 2018, após últimos quatro anos bastante intensos para a indústria em termos de definição do que seria o futuro da radiodifusão, era uma data para testar novos paradigmas e criar formatos de trabalho inovadores.
Foi com esta missão que o Diretor de Tecnologia de Esportes da Rede Globo, José Manuel Mariño, começou o planejamento das atividades da emissora em solo russo. Durante o ano anterior ao evento, e claro, acompanhando a evolução de eventos de porte similar ao longo do tempo, como Jogos Olímpicos e grandes festivais, o engenheiro tinha à sua frente uma série de possibilidades: 4K, UHD, HDR, Surround Sound, Interatividade, OTT, Link 4G, só para citar alguns dos ‘trends’ dos últimos anos.
Formado em Engenharia Eletrônica na Universidade Gama Filho, Mariño iniciou sua carreira nas Organizações Globo ainda em 1982 como Gerente de Operações da Globo Vídeo. De lá pra cá, foi Gerente e Diretor da divisão de Projetos da emissora, sendo responsável por algumas implementações como os estúdios do Projac, as Newsroom para Jornalismo, algumas grandes Unidades Móveis, entre muitos outros.
Em 2005 assumiu como Diretor de Tecnologia de Esportes e passou a cuidar diretamente destas operações complexas que envolvem grandes eventos. Em seu currículo são agora quatro Copas do Mundo, dois Jogos Olímpicos, além de uma infinidade de outros empreendimentos como Copas da Confederações, Jogos Pan-Americanos, etc.
Mariño conversou com exclusividade com a Panorama Audiovisual e respondeu algumas das principais dúvidas sobre a operação da Rede Globo durante a Copa da Rússia de 2018. Confira a seguir.
Panorama Audiovisual: Há um certo senso comum de que os eventos esportivos são a principal força motriz para o avanço da tecnologia broadcast. Você concorda com esta afirmação? Como é o processo de atualização tecnológica para uma Copa do Mundo?
José Manuel Mariño: Os grandes eventos esportivos mundiais são assistidos por bilhões de pessoas. Estima-se que pelo menos 3,6 bilhões de pessoas no mundo assistiram a algum conteúdo da Olimpíada de Londres (2012) e do Rio (2016). Para as Copas do Mundo de 2010 e 2014, esta estimativa é de 3,2 bilhões de pessoas. E este conteúdo, de alta qualidade e apelo emocional, tem um forte impacto na indústria de consumo. Todos querem assistir a este conteúdo no melhor dispositivo de que puderem dispor. É um excelente motivo, e um momento idem, para fazer a troca do aparelho antigo, ou a compra de um melhor. Então isto afeta toda a cadeia de valor da indústria. As tecnologias de display se desenvolvem continuamente, que por sua vez influenciam o mercado de distribuição e, na ponta, o mercado de produção. Vejamos o 4K, por exemplo.
O 4K HDR está seguindo os passos corretos e rapidamente se difundirá entre os consumidores. Os ganhos em termos de resolução e brilho, acoplados a uma experiência de áudio imersivo são imediatamente percebidas e apreciadas por eles
PAV: Qual foi a grande evolução para esta Copa do Mundo?
Mariño: Nesta Copa, o host broadcaster realizou a produção em UDTV (4K HDR e áudio multicanal) – em paralelo à oferta tradicional de HD e surround – de forma a atender às plataformas que já têm capacidade de distribuir este conteúdo. E todos estamos acompanhando os movimentos da NHK, que anunciou que fará a produção dos jogos da Olimpíada e Paralimpíada de Tokyo (2020) em 8K e com som multicanal 22.2. Mas a introdução de novas tecnologias exige boa coordenação entre os três atores: indústria de consumo, distribuição e produção. O HDTV é um exemplo de uma implementação de sucesso. Já a TV 3D, que teve uma forte promoção em 2010, é um exemplo de tecnologia que não conseguiu se sustentar. O 4K HDR, a meu ver, está seguindo os passos corretos e, a exemplo do HD, rapidamente se difundirá entre os consumidores. Os ganhos em termos de resolução e brilho, acoplados a uma experiência de áudio imersivo, como aquela proporcionada pelo Dolby ATMOS, são imediatamente percebidas e apreciadas por eles.
PAV: Temos visto grande esforço das emissoras ao redor do mundo em investir em soluções gráficas para esta Copa do Mundo. A Copa da Russia 2018 é a Copa da Realidade Aumentada?
Mariño: Nesta Copa, vimos players importantes utilizando estúdios com esta tecnologia, e que incluem a TV Globo, a BBC e a iTV. Quando é usada de forma criativa, os resultados no ar são espetaculares. Podemos colocar um carro de F1 passeando dentro do estúdio, podemos inserir imagens no teto, paredes e piso do estúdio, incluindo elementos gráficos 3D que interagem com os apresentadores. As possibilidades são inúmeras. A tecnologia tem evoluído muito, e vejo, sim, que se tornará ferramenta indispensável para os estúdios.
PAV: As aplicações de Realidade Virtual e 360º, é algo que deve se integrar na produção de conteúdo esportivo, ou é mais uma hype passageira como foi o 3-D?
Mariño: No Esporte, neste momento, todos estão experimentando. Players importantes, e que incluem tanto donos de conteúdos (COI, FIFA, NBA, NFL, MLB, dentre outros), quanto empresas de tecnologia voltadas para o mercado de consumo (Intel, Magic Leap, Apple, Sony, Google, dentre outros) estão experimentando com a tecnologia em busca de um modelo sustentável e que de fato crie uma experiência imersiva engajadora para os usuários. Ninguém está dizendo (ainda) que tem a solução pronta.
PAV: Como você vê a substituição de Unidades Móveis por equipes de produção munidas de solução de conectividade?
Mariño: Na Rússia, ao todo, dispúnhamos de 21 equipes que tinham à sua disposição um kit composto de uma camcorder leve, um laptop equipado com softwares de edição/compressão/envio de clipes, e um mochilink para transmissão ao vivo através da rede de dados celular 4G. A coordenação operacional do repórter era feita através de um APP VOIP.
PAV: É um avanço tecnológico ou tem mais a ver com um custo-benefício para as emissoras?
Mariño: Diria que esta é uma solução perfeita para a produção de conteúdo, pois dá uma tremenda liberdade e agilidade para as equipes. A alternativa é o SNG: grande, pesado, caro, precisa de lugar para estacionar, leva tempo para montar e desmontar o equipamento. O mochilink é leve, alimentado a bateria, e basta virar uma chave para começar a transmitir. Veja que, a qualquer momento, podíamos transmitir de 21 pontos diferentes na Rússia. Em termos de poder de produção, é fenomenal. Por outro lado, seria impossível ter 21 SNGs na Rússia, pois o custo seria proibitivo. A transformação digital é implacável com todos os setores, inclusive para o de SNGs para reportagens ao vivo…
Na Rússia, ao todo, dispúnhamos de 21 equipes que tinham à sua disposição um kit composto de uma camcorder leve, um laptop equipado com softwares de edição/compressão/envio de clipes, e um mochilink para transmissão ao vivo através da rede de dados celular 4G.
PAV: A existência de uma empresa como a HBS centralizando a questão da produção do evento traz tranquilidade para os profissionais das emissoras? Como é a questão de suporte oferecida pela HBS para as licenciadas?
Mariño: A existência do host broadcaster é absolutamente essencial em eventos de grande porte. Ele se responsabiliza pela produção e geração do sinal internacional de áudio/vídeo dos jogos, e também disponibiliza infraestrutura, facilidades técnicas e serviços nas arenas, de forma a permitir que cada detentor de direitos realize a sua produção unilateral, personalizando a sua transmissão do evento. Além disto, é responsável pelo projeto e implementação do centro internacional de broadcasting, o IBC, local onde são entregues todos os sinais dos jogos aos detentores de direitos, e onde estes podem montar estruturas técnico-operacionais para interligação com seus países. O host entende bem as necessidades de produção dos detentores de direitos, e desenha seu catálogo de serviços de forma a atendê-las com eficiência e qualidade, e a um custo compatível. Seja nas arenas, seja no IBC, o host dispõe de equipes in-loco que dão suporte e orientação aos detentores de direitos, buscando atender às suas demandas.
PAV: Durante os Jogos de Inverno da Peying-Chang vimos o uso de tecnologia 5G pela primeira vez gerando sinal de contribuição. Como você vê a chegada destas soluções para o broadcast?
Mariño: Uma tecnologia que promete velocidade de conexão até 100 vezes mais rápida que 4G é algo que estimula a nossa imaginação. Em eventos esportivos, há inúmeras oportunidades de uso, envolvendo links ao vivo (mini-câmeras em carros, motos, bicicletas, capacetes, drones, etc…) praticamente sem delay, e transmissão de dados entre dispositivos conectados através da Internet das coisas, para captura de dados de telemetria dos atletas, transmissão de múltiplos ângulos de uma determinada ação, permitindo que o usuário escolha remotamente qual deles deseja ver, ou mesmo circular entre eles. Mas para que isto seja viável, é preciso implantar todo um novo ecossistema, o que não é rápido. Na Olimpíada de Tokyo em 2020 teremos uma nova oportunidade de ver a tecnologia em uso, e abrangendo uma área geográfica maior do que nas Olimpíadas de Inverno de 2018.
PAV: Tanto no segmento de tecnologia broadcast como no mercado consumidor, há uma expectativa para que as Ultra Alta-Definições somadas ao HDR sejam a “nova grande coisa”. Quais são os gargalos para que isso se realize a curto prazo?
Mariño: Nesta Copa, o Grupo Globo fez distribuição de conteúdo dos jogos em 4K HDR. Globosat e a Samsung ofereceram aos proprietários de TVs desta marca com tecnologia compatível acesso a 56 partidas ao vivo neste formato. E a TV Globo disponibilizou íntegras dos jogos da Seleção Brasileira para consumo em VOD, em 4K HDR, dentro do Globoplay. Gradualmente, a oferta de conteúdos em 4K HDR irá aumentando, para consumo via OTT, e isto incrementará a venda de displays. Digo gradualmente pois, para produzir em 4K HDR é preciso substituir Unidades Móveis, SNG’s e links de fibra, estúdios e controles de produção. E isto não se faz de uma hora para outra. Produtoras que necessitarem substituir recursos existentes, ou que forem investir agora em uma nova unidade de produção, já o farão visando entregar conteúdos em 4K HDR.
PAV: Sempre ouço que há uma dificuldade por parte das equipes técnicas das emissoras em encontrar mão de obra especializada. Você sente isto também? Existe algo que as próprias emissoras possam fazer para remediar este cenário?
Mariño: Sim, é um fato. Na Globo estruturamos e implantamos programas de estágio para as várias áreas da Tecnologia (Operação, Suporte, Projetos, Transmissão, etc…) visando identificar e formar novos talentos. PA
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